Regras e moralidade: o que isso tem a ver com a Educação Escolar?

Regras e moralidade: o que isso tem a ver com a  Educação Escolar?
Educação

10/12/2020

Na contemporaneidade, reações às mudanças sociais rápidas são geralmente acompanhadas pelo receio de que valores universais básicos não estejam sendo transmitidos às crianças e aos jovens, que vivem uma realidade onde a moralidade estaria reduzida ou deturpada. Outra percepção social é de que há um enfraquecimento dos valores e regras importantes para uma convivência harmônica. Teria a escola responsabilidade sobre isso? Ou acredita-se que esses valores somente devem vir dos modelos parentais e familiares?

A resposta, prontamente se exprime: sim, isso se intitula de educação moral! Para tanto, o cerne da questão está em definirmos um grupo de valores morais que formem as bases de um consenso, por meio do qual seja possível a construção de abordagens de educação moral que não se limitem a valores locais ou culturais.

Além disso, precisamos levar em conta como a moralidade é influenciada por outros valores sociais e considerações amorais, pois ambos estruturam os sistemas sociais e produzem os julgamentos morais dos indivíduos. É necessário, ainda, entender como se dá o desenvolvimento moral para construirmos abordagens que favoreçam o crescimento e a autonomia sociomoral das crianças, para que possam ser mais do que simplesmente crianças obedientes.

Mas de qual moral estamos falando? Em linhas gerais do senso comum, compreende-se moralidade como normas de condutas certas ou erradas. Não obstante é necessário saber o que significa certo e errado, e entender quais são os critérios utilizados para julgar o erro nas condutas de si mesmo e de outrem. Desse modo, as pesquisas têm mostrado que alguns indivíduos tratam determinadas formas de comportamento social como condutas morais universais, priorizando o bem-estar, a justiça e os direitos das pessoas; outras como sujeitas às determinações da cultura local ou convenções sociais; e outras, ainda, como uma questão de escolha pessoal.

Exemplos podem ser ilustrados: 1) criança diz que não pode bater no outro mesmo que não seja uma regra – dimensão da moralidade, pois atinge a integridade física do outro; questão moral prescritiva por independer de uma regra, isto é, uma regra universal; 2) pedir licença aos professores quando entrar na sala de aula ou pedir permissão para sair dela – dimensão da convencionalidade social, pois está condicionada à avaliação de presença ou ausência de regra social que regula o comportamento; 3) escolher a camiseta que irá vestir para passear – dimensão das escolhas pessoais, pois não interfere nos direitos de outras pessoas.

A educação moral busca compreender as fases de desenvolvimento da criança e como ela compreende e reflete sobre as regras. Em linhas gerais, podemos destacar que: uma criança de 3 anos que considera errado bater e ferir alguém, traz uma resposta moral, mas não necessariamente compreende justiça como reciprocidade, visto que justiça, nesta idade, geralmente está relacionada aos interesses pessoais da criança; a partir dos 10 anos, as crianças já entendem justiça como reciprocidade, porém ainda possuem dificuldade em coordenar seu sentimento de justiça de igualdade com noções de equidade; é na fase da adolescência e na fase adulta que se expande o sentimento de justiça para incluir a compaixão e vincular este sentimento de justiça piedosa com uma obrigação conceitualmente imperiosa para todas as pessoas.

Nessa perspectiva é que os educadores devem contribuir para o desenvolvimento de uma cidadania moral baseada na justiça e na compaixão, capaz de tornar compreensível e legítima a necessidade das convenções. Porém, é preciso levar em conta que julgamentos morais contextualizados podem requerer que a pessoa tenha a habilidade de ponderar ou coordenar considerações morais e não-morais.

Apresentado isso, o educador moral não só se mostrará interessado em desenvolver a moral do estudante e suas compreensões das convenções sociais em tais contextos, como também estará interessado em saber se o estudante está ou não consciente e se prioriza os elementos morais de tais questões ao decidir-se sobre o curso de sua ação.

Isso leva a uma reflexão relevante da educação, visto que as crianças em todos os momentos de seu desenvolvimento, são capazes de considerar questões morais sob a perspectiva da justiça e do bem-estar, então se torna importante aumentar as ocasiões em que as crianças compreendam o componente moral das questões sociais contextualizadas e os princípios que sustentam as regras. Para tanto, propõe-se algumas práticas que favorecem o desenvolvimento de um cidadão coletivamente capaz de desafiar o status quo utilizando-se de um ponto de vista moral crítico. Entre as propostas estão:

  • Escuta ativa para compreender quais são as preocupações e concepções dos alunos sobre noções de justiça e o bem-estar dos outros;
  • Práticas educacionais em sintonia com o desenvolvimento dos alunos;
  • Situações em sejam incluídas noções de sensibilidade moral;
  • Ambiente escolar que promova justiça e respeito pelos outros;
  • Oportunidades para que alunos desenvolvam habilidades na resolução de problemas sociais;
  • Oportunidades para que os alunos assumam papeis que requerem responsabilidade moral.

E você, percebe como a escola é um espaço privilegiado para desenvolver habilidades socioemocionais? De que forma você sente que contribui para o debate em sala de aula e para a construção de uma convivência democrática e inclusiva?

Troque ideias conosco!

 

Referências:

Nucci, L. (2000) Psicologia moral e educação: para além de crianças “boazinhas”. Educação e Pesquisa, São Paulo, SP, 37(1), 71-89.


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Doutoranda pelo Programa de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP). Mestre pelo mesmo programa da USP. Especialista na área de Saúde Mental pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Psicologia pela UEM. No decorrer de sua atuação desenvolveu estudos na área da Saúde Mental do Trabalhador, como realiza pesquisas na área de Psicologia do Desenvolvimento Moral relacionada à Psicologia do Trabalho. Atualmente, é coordenadora e professora dos cursos de Pedagogia e Psicologia na Faculdade Lusófona de São Paulo (FL-SP). Também coordena o Núcleo de Educação e Trabalho, com o trabalho de orientação profissional da mesma instituição. Atua como psicóloga escolar no Colégio Português de São Paulo. É membro do Grupo de Estudos em Psicologia do Desenvolvimento Moral (GPDM) do IP-USP.

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